Era Páscoa, 1994. Bateu à porta da sala do Conselho Executivo e entreabriu-a, percebendo que havia licença para colocar um pé dentro, mesmo sabendo-se, por ali, desconhecida.
- Boa tarde… sou professora de História e queria informar que concorri para esta Escola e que conto vir para cá… portanto, venho tentar conhecer um bocadinho do que aqui se passa, se puder ser…
- Ah, sim? – perguntou o professor Maia, esperando, sorridente, como se nunca tivesse estado numa situação destas. – E de onde vem a colega? – continuou.
- Estou ali em cima, na Secundária, mas não estou bem… E, como diz o ditado, “quem não está bem, muda-se”, estou a tentar fazer isso. E só concorri para esta Escola, que sei que é a primeira vez que abre concurso para terceiro ciclo...
Aquela professora sempre ficara colocada na primeira escolha dos seus poucos concursos: quatro anos na C+S da Ilha Terceira, Praia da Victória, sete anos na Secundária do Alto da Damaia, Amadora, dois anos na Secundária de Barcelinhos e agora… contava descer para junto do rio, onde o espaço era convidativo, aparentemente sem muitas paredes que impedissem o ar livre e também, achava, as ideias, de circularem livremente.
Assim foi. Aquele Setembro reforçou-lhe a esperança de ficar bem.
Primeiro, aquele espaço amplo, de uma Escola em pavilhões afastados uns dos outros, com espaços interiores melhor ou pior ajardinados, com declives de terreno sempre a tentar ter arbustos, que as crianças constantemente pisavam, as passagens cobertas com telhas ondulantes que de pouco serviam se a chuva vinha atravessada, e uma distância enorme entre o terceiro pavilhão e a sala dos livros de ponto e do encontro de professores e do café, o que permitia quase esquecer o cansaço entre uma aula e a seguinte.
Actividades curriculares e extra-curriculares, convívio aberto entre o pessoal docente e não docente e… a porta do Executivo sempre aberta, menos na horita de reunião semanal. Tudo isto era um grande alívio para aquela Professora nova que acabava de se instalar, julgava ela, definitivamente.
Primeiro jantar de Natal. Um espanto grande nos seus sentidos todos. Duas filas de mesas lá em cima, na cantina, com um espaço largo entre elas. O jantar, o saco de linho cheio de prendas para a troca, o Pai Natal, que era o Presidente, que diz meio provérbio para que alguém levantasse um papelito com a parte que o completasse e fosse a correr receber a sua prenda… E foi assim em muitos jantares de Natal.
Quando parecia que o ambiente estava a ficar frio – se é que isso pode acontecer nalgum jantar de Natal! – a Professora desta história estranhou que alguns carolas, daqueles mais “entrados” na Escola, tipo professoras Augusta Carvalho, Manuela Real, Georgina, e outros, começassem, sem mais nem para quê, a bater com os punhos cerrados nas mesas, obrigando os pratos já vazios a saltitarem levemente, fazendo um tlim-tlim entre eles mesmos e os talheres sujos de bacalhau e de mexidos, e um tlim-poc à medida que, saltitando, se chegavam mais para as beiras das mesas, ameaçando caírem ao chão se aquilo não parasse. E demorou. Demorou. Até que, aparentemente contrariado, mas visivelmente feliz, o Presidente salta para o espaço entre as mesas, logo seguido de outro, igualmente possante e roliço, e hirtos, braços colados ao corpo, cabeça fixa e imóvel sobre os ombros, lá bambolearam ao ritmo do tum… tum… tum-tum-tum…, tum…tum… tum-tum-tum dos tamborileiros, que as mãos dos profes fazim, ao bater nas mesas, e que o tlim-tlim dos pratos vazios e dos talheres acompanhavam. Foi um espanto de sintonia entre todos, foi como que a abertura das festividades. Depois, muitos os foram acompanhar naquela e noutras danças, que os cavaquinhos e as violas, os tambores e algumas gargantas estavam sempre prontos a funcionar.
E foi tanto assim que aquela Professora nova julgou poder ser agora o momento de instalar na Escola um grupo folclórico e etnográfico, como há muito sonhava conseguir em qualquer sítio onde parasse. Foi ter com o pessoal, desde os cantores aos tocadores. Riu-se dela o Sr. Cardoso, chefe do pessoal:
- Na Banda Plástica? Ó Professora, aquilo… a gente não toca nada! Só tocam os quatro da fila do fundo… Os outros têm aqueles aparelhos grandes, mas são de plástico, é só para fazer vista… A gente não toca nada… São umas gaitinhas que aquilo tem dentro, e nós apitamos, mas é só para entreter meninos…
- Então não toca mesmo nada, nem trombone, nem saxofone, nem viola, nada?!
- Nadinha, Professora.
E contadas as vozes, que ainda seriam suficientes, e os instrumentos, que se resumiam a um ou dois cavaquinhos e uma viola, que contavam ir mudando de Escola em Escola, até ficarem bem, a Professora desistiu daquela ideia fantástica. Estamos em crer que, se a Escola da Ministra Lurdes Rodrigues não fosse tão impossível de cumprir, mediante os normativos em vigor, seria agora um bom momento para dar andamento ao sonho do grupo folclórico… Pelo menos, com professores por quatro anos, talvez fosse possível organizar um grupo desses, ainda que, de quando em quando, renovável. Quem pega na ideia?
Muitos Natais se seguiram, sempre cheios de vida, e também vários Carnavais, estes, com filas infindáveis de mascarados, que saíam da Escola para irem integrar os cortejos carnavalescos que a Câmara Municipal organizava. Era toda a Escola! E, nos finais dos anos, em tempo de S.João, lá ia o segundo ciclo com arquinhos e balões, crianças vestidas com cores garridas, rendas e folhos, que as professoras levavam grande parte do ano a confeccionar! Podia-se dizer que a Escola era uma festa!
Foi neste ambiente de festa que a Escola se abriu para chamar a comunidade educativa e os habitantes de Barcelinhos ou outros para assistir a um “lançamento de livro” relativo à História de Barcelinhos, da autoria da Professora. Era Primavera de 1998. A professora Cecília preparou os seus meninos para apresentarem umas cantiguinhas populares, quer era o que melhor se enquadrava naquele momento festivo. Da mesa fizeram parte os mais directamente envolvidos na efeméride: além da Professora-autora e da sua mestre, da U.M., estava o representante da Autarquia, o Presidente da Escola (desta vez sem pose de gigantone) e o representante da Junta de Freguesia de Barcelinhos. E “Santo André de Barcelinhos. O difícil equilíbrio de uma população, 1606-1910” deu-se a conhecer ao público presente. Foi mais um sucesso desta Escola.
Fizeram-se muitas experiências, muitas formações a troco de boa vontade, nada de créditos, e nasceram muitos clubes. Fez-se uma formação inovadora, para a Educação Sexual na Escola, com a participação prioritária das professoras Manuela Montenegro, Palmira Oliveira e Helena Sendim e da Professora desta história, porque estas tinham recebido, anteriormente, uma formação em Promoção de Competências Sociais, cujo método era, sobretudo, o rôle-play. Também por isso, existiu um clube de ocupação de tempos livres dos alunos, durante dois anos – o Kat-Kero – em que, simulando situações problemáticas do dia a dia, de dentro e fora da Escola, os alunos eram levados a usar o “Pára e Pensa” como metodologia para resolver os problemas, antecipando consequências de possíveis atitudes. E eram tempos de empenho e de festa.
Teatro, poesia, e tantos outros temas, eram motores que congregavam alguns alunos e professores, de forma gratuita, mas gratificante.
Assim, à sua volta, cada vez mais os professores se sentem máquinas de cumprir horários e regulamentos, e ainda assim, obrigados a produzir sucesso educativo. O sucesso que quiserem ter!
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Inês Martins de Faria, 2009




